Ode do mais belo:

 Não é que queira exercer o meu direito de pensamento livre quando estou a meio do meu trabalho. Mas muitas das vezes que acabo por pensar sobre isso, fico sempre com a sensação de que as pessoas - na sua generalidade - não merecem ser atendidas por um igual. Defendo a hierarquização e a padronização comportamental e organizacional. Na minha cabeça tem de haver alguém que mande e alguém que seja mandado. Infelizmente eu sou aquele que é mandado por aquele que solicita ajuda, ou seja, mandam em mim como se fossem meus patrões. 

Não nego o meu pouco vagar em ripostar e a minha arte em encolher ombros. Mas depois de seis horas de um interminável procedimento equilibrista entre o que os patrões querem e o que o cliente quer, ter de lidar com uma das partes a dizer que não sou digno do lugar que ocupo é, no mínimo, desmerecedor do mesmo. Pelo simples facto de saber que sou merecedor do meu posto de trabalho e todos os dias o comprovar é que ainda estou onde estou. Mas um cliente mal encarado, pouco encarável e nada encaralhado (perdoem-me os mais sensíveis) consegue apontar o dedo a procedimentos estipulados por anos de prática que nem eu que trabalho na empresa me oponho. Funciono muito à base do "se funciona, não mexe". E gostaria que os clientes também fossem assim. 

E quando penso, penso em coisas más. Divulgo a minha insatisfação em forma de um olhar pouco decifrável mas que alguns do lado de lá entendem. Quando têm razão, sou o primeiro a dar-lhes. Mas é fácil cair na insensatez de pedir demais. Um problema que desenrola outro problema que desenrola um mestrado em Recursos Humanos e um doutoramento em Psicanálise. Sou obrigado, num espaço de segundos, a perceber e a desviar-me de pontos de pressão de cariz psicológico do cliente - isto, sem ter acesso a 90% da informação do mesmo. Não posso referir-me a histórias anteriores se a história anterior do senhor Joaquim foi má com o produto, assim como não posso citar melhorias num produto quando sabemos que foi a muito custo que a Sandra o comprou. Somos obrigados a avaliar a situação do lado de lá numa questão de segundos com montes de queixas, uma veia saliente e demandas impossíveis a apontar para o nosso contrato de trabalho.

Portanto, o meu pouco conhecimento e a minha deficiente veia de adivinho tem de despachar o negócio utilizando duas ferramentas: o que eu sei e o que eles não precisam de saber. A saber...

Ninguém nunca jamais se vai queixar de uma barbaridade que nunca lhe aconteceu - é vender essa barbaridade como sendo o que pode acontecer caso não sigam os meus conselhos de um rapaz que entende do que vende. É fácil e indolor e muitas das vendas que faço é exatamente por causa disso. Algumas delas são verídicas. Cerca de 40% são histórias que ouvi levadas ao cumulo. 

Ah! E às vezes vendo aquilo que não devia. Pentes a carecas. Não é que não deva, só não é necessário. Vejo um casal e vendo-lhes algo que daria para alimentar sete daqueles. Vejo um universitário e vai sair com cerca de metade da casa já mobilada - de nada.

Tudo isso aliado a uma insatisfação imensa por parte de clientes que não me ouviram - levaram o mais barato ou o menos aconselhável. Mas daí a ser insultado e tratado abaixo de cão, isso não permito. Eu não engano ninguém - simplesmente vendo uma ilusão diferente a cada um.

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