O passado é apenas isso:

 A ideia de que devemos de ser gratos por cada coisinha insignificante da vida faz-me sentir reduto. Uma versão ínfima da minha pessoa que destrói tudo o que de grande já fez. Agradecer por um pôr do sol que de nada fiz para o merecer tem, para mim, muito menos sentido do que focar-me no próximo livro que estou a escrever ou na próxima música que estou a fazer. 

Criou-se um género de cultura por detrás da mediocridade que é a aceitação das nossas condições. Resulta muitas das vezes num sorriso enganador e nuns posts no Instagram de cariz falacioso e de certo modo catabólico. Agora a ordem das coisas é agradecer a uma planta pela árvore que eu próprio plantei. Não agradeço nem à planta e muito menos à árvore. Agradeço a quem me ajudou a planta-la. Quanto muito a árvore é que tem de me agradecer a mim.

É um ponto de vista altamente centrado no protagonista e para muitos isso faz comichão- mas para outros é extremamente normal. Aliás, é biológico. A única versão das coisas que eu consigo contemplar num todo é a minha. Só faz sentido para mim perceber que tive de sujar as mãos para conseguir o que consegui - não menosprezando aquilo que não consegui por conta própria.

Não digo que devam ignorar o pôr do sol ou que devam definhar uma flor - mas dêem-lhes a importância que eles tem. Não condecoro nenhum pôr do sol por ser o ponto alto do meu dia pois não estou interessado. A demagogia por detrás desta cultura reducionista das ordens de importância só me destituiria tempo de antena face a algo que eu gostaria mesmo de ter feito.

Nenhum dos meus amigos que pratiquem este tipo de hábitos tem algo de grandioso para mostrar que não tenha sido fruto do trabalho deles- e posso-vos garantir que não foi fruto de umas fotos na praia a apreciar as marés- foi fruto de muitos dias de calos nos dedos. 

Assim como as minhas conquistas e os meus prémios.

Não mato uma formiga não porque não queira ou não consiga, mas porque nem isso me dou ao trabalho de fazer. É esse nível de insignificante. Posso-vos garantir que os CEOs das grandes empresas olham para vocês do mesmo modo. E porque é que isso é totalmente aceitável? Porque não perderam tempo a agradecer a coisas que com ou sem eles iriam acontecer na mesma. 

Pessoas que desapareceram, praias que ficaram interditas, noções de privacidade que deixaram de existir, momentos que deixaram de ser capazes de voltarem a acontecer. Acontece. Agradecer por isso só me faz abrandar e querer que outras coisas boas não aconteçam o mais rápido possível.

Existe um futuro comigo ou sem mim, e se esse futuro existir quero que se lembrem apenas que o passado é apenas isso.

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