A ARTE DE PENSAR:


Penso não ser o único a exercer a livre ação do pensamento. Eu penso, noite e dia. Torro horas a fio a olhar para tanto e a não ver nada porque estou, inquestionavelmente, a exercer o cómodo prazer de pensar. E porque considero isto um prazer?
Bem, o prazer de pensar é algo que recordo com adoração aquando da minha infância solitária - por conta própria, eu desprezava a companhia doutrens ou simplesmente não ligava. Era um puto simpático.
Nessas brincadeiras que tinha comigo mesmo cheguei a criar um irmão para não me fazer tanta confusão brincar sozinho. Era o Tomás, nome do meu melhor amigo do infantário que por razões que a mim pouco competiam, teve de mudar de cidade. Fiquei sem amigo mas ganhei um outro que me entendia como ninguém. Era uma gentileza de moço e uma perfeição de sujeito. Comparável só à imagem que os meus pais tinham das outras crianças quando me diziam que eu tinha de ser como eles - mal eles sabiam que o Diogo só fazia os TPC's porque copiava por mim ou que o Fábio era o maior fala-barato da turma. 
Recordo que preferia ficar sozinho a jogar Gameboy ou outra consola da altura do que ter de discutir se o personagem X dos Morangos ia mesmo beijar a personagem Y. Ficava lixado se não me entendiam e pior - rabugento se me contrariavam. 
Eu ia crescendo e lá para o meio os livros fizeram companhia. Ninguém entendia porque raios o Miguel preferia ler um livro que não fosse de leitura obrigatória. Bem, eu vou-vos dizer porquê: porque não era de leitura obrigatória. Eu cheguei ao ridículo de ler seis ou sete livros numas férias de verão e nenhum deles ser o livro que eu iria ter de analisar para a escola. Odiava que me impingissem os seus discursos de que "o livro deles era melhor" ou simplesmente "está no plano". Pois mudem-no, eu não vou fingir que gosto do cavaleiro da Dinamarca e pois vos garanto que pouco me interessava o segredo do rio e que Miguel Sousa Tavares era melhor que isso.
Eu gostava de ler porque a meio, sem ninguém dar por isso, eu sonhava acordado. Eu ia ou para a história ou para a minha cabeça. Recordo desgostoso todos os plot twists que se iam revelando entre os livros onde eu sentia como se fosse uma obra de Scorcese ou Kubrick. Delirava com romances como se fosse a própria Lilly Collins a protagoniza-los. E tão frágil era a minha cabeça que a meio de um livro de thriller criminal eu pensava se deveria ter dito aquelas palavras à Andreia ou se o Ricardo tinha ou não razão sobre aquele assunto. 
Era uma criança pouco feliz, e basta lerem trabalhos passados com a minha assinatura para perceberem que amargurei durante a adolescência onde os meus livros deram lugar a dois fones de ouvidos, a uma franja e a gajos com aspeto afeminado a cantarem grandes baladas de amor melodramático que roçava o que de melhor se lia num romance de bolso. 
Mas nem assim deixei de pensar. Até com a música no máximo no meu Xpress Music, eu não poderia alguma vez deixar de imaginar trinta respostas diferentes para uma pergunta que a minha mãe me fez há duas horas ou como poderia passar a matemática visto já ter duas negativas (se por algum motivo eu me torno famoso, acho que vou ter de agradecer ao meu professor de matemática a paciência que o homem teve de ter).
Eu cheguei ao ponto de tanto pensar comecei a pensar demasiado - algo que muita gente se pode gabar de sofrer. Não considero isso uma patologia, apenas uma desorganização mental. Então devemos arrumar-nos. E como um quarto, deve-se começar pela entrada.
É bonito ver a imensidão da desconstrução mental depois de a termos feito, assim como é engraçado encontrar-mos aquelas chaves que andávamos à procura há meses.
Com os anos veio a organização, e com a organização veio a sapiência. Não sei de nada mas sei que não sei. O que, para além de ser uma frase excelente para uma foto do Instagram, é uma maneira ótima de organizar o pensamento. 
Optimizar a aceitação é importante, como lutar contra um monumento. É algo que já lá estava, devemos simplesmente preservar e aceitar. Querem adorna-lo? Força! O menir é vosso.
Declaro então possuir um vasto leque de estratégias para não pensar demasiado, algo que é tão importante nos dias de hoje. E devo-vos dizer que ainda hoje penso muito quando leio e muito penso quando ouço musica. Sou distraído porque penso e penso para justificar a minha distração. 

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