A minha casa, as minhas regras:

Não sei quanto ao leitor mas eu sou um ser altamente indisciplinado em matéria de berço familiar. Desde cedo que o meu pai me tentou incutir a noção de tarefa e de responsabilidade - e desde cedo que eu ignorava esses mesmos valores. 
Tarefas básicas como tirar a loiça da máquina de lavar ou limpar o chão do meu quarto - que eram tarefas que eu até que fazia sem grande esforço - dispensavam dos meus educadores grande porção do tempo que poderiam estar a usar para fazer outra coisa qualquer. 
Sempre fui e até hoje sou um pouco assim, com bastante vergonha minha. Sou uma nódoa como dono de uma casa que não é minha. Sempre me senti impotente face a isso, talvez seja essa a resposta mais romântica. 
A casa não é minha. E os meus pais sempre me fizeram ver isso de um jeito lúdico onde a casa é propriedade deles, não dos filhos. Mas que se sentiam mais do que felizes em ter os filhos lá, como agora estou.
Mas já houveram momentos em que não era assim. Eu já vivi fora de casa, quando estudei em Setúbal, por exemplo, onde vivia ora numa republica das bananas, ora em casas altamente propensas à desarrumação e à desorganização. Tinha tudo para me dar mal nos dois ambientes - e em algumas fases da minha vida efetivamente deparei-me com isso. Mas era o meu espaço, era o meu canto que eu estimava com carinho e afeto. Não existia uma só alma que se importasse mais com aquele cantinho que eu. Que decidisse mais daquele cantinho que eu. Aquele cantinho, até ordens em contrário, era meu. E eu odiei ter de abandonar todos aqueles cantinhos - como odeio a noção de despedida. 
Mas adoro o cantinho que tenho agora - não tenho nada. Em meu nome sou capaz de ter o Setup com que vos escrevo agora e pouco mais. Mas gosto da organização que dispus. 
Mas aqui vai a grande diferença: este cantinho não é meu. E essa ordem e esse caos que eu posso criar é uma desobediência direta à ordem imposta pelos meus pais, ou seja, um conflito de liberdades. Por um lado eu quero a minha liberdade, por outro tenho de me sujeitar ao que tenho.
Hoje em dia é egocêntrico presumir que podemos alterar uma ordem de algo que não é nosso e deixar a desordem atuar na realidade do outro. Deixar uma bomba de brincar num parque vai causar uma desordem em centenas de vidas alheias que tudo fizeram por aquela ordem criada. O mesmo efeito é perceptível quando se deixa a toalha molhada em cima do tampo da sanita. 
Ao não criares a ordem, sujeitas-te à ordem anteriormente criada. E isso faz-me confusão porque é uma ordem não imposta por mim.
Agora muitos se perguntarão como funciono em sociedade. Ao que eu sou obrigado a responder: da mesma maneira com algumas alterações. É uma ordem superior na mesma, é uma ordem anteriormente estabelecida na mesma e advém de uma necessidade de estabilidade minha da mesma maneira - a diferença é que existe mais liberdade.
Eu não posso chegar atrasado ao trabalho, mas também tenho hora para sair. Tenho tarefas especificas para horários específicos e uma lista de prioridades altamente vincada no meu comportamento dentro da empresa/sociedade. É uma rotina e é um objetivo claro. No final até sou recompensado com algo mais que eu não tinha.
Claro que assumir que não sou recompensado com comida, água, luz, gás e teto é incrivelmente hipócrita e uma falta de respeito aos meus pais a quem devo tudo e mais um par de botas. Mas as ordens são irrealistas ou pouco fundamentadas.
A diferença entre "preciso de um relatório para entregar à chefia até às 16:00" é diferente de "preciso que limpes a arca". Sei como se comporta a chefia em relação ao relatório e domino a preparação de um relatório, para além de que tenho um horário estipulado de conclusão de tarefa onde posso organizar outras tarefas. A arca é um objeto grande que armazena bastantes objetos pequeninos onde, aquando a realização da tarefa, posso estar a depositar noutro recipiente errado - ou seja, não domino a realização do mesmo- e sou muitas vezes galardoado com o prémio de imbecil e incompetente por não saber fazer algo que nunca fui instruído para. Já para não falar no horário extensível da realização da tarefa que pode não coincidir com as outras tarefas que tenho de fazer.
Na minha própria ordem eu sabia quando podia organizar a arca e quando é que podia vir para aqui escrever uma crónica, ou quando é que podia realizar o relatório para a chefia ou quando é que precisava de uma pausa.
Com isto não quero dizer que me sinto injustiçado ou mal agradecido pela obediência óbvia que devo aos meus pais, estou é a tentar justificar o facto de ser um procrastinador nato. 

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