A discordância de atos.

Uma concordância é uma conformidade. Até aí está tudo a seguir a linha de pensamento, certo? Ótimo, odiava ter de me explicar mais do que tenciono. 
Ora, se uma concordância é uma conformidade, é uma conformidade de quê? Da ideia anterior, correto? Eu também acho que sim. E se essa ideia anterior for imposta por mim? "Ah! Podia ter começado por aí." dirá o leitor "Sendo assim, está errada."
Nunca vi tanta ideia errada que antes estava certa como nestes últimos dias, nunca me contrapuseram tanto nem me objetivaram a discordância tanto como agora. Sou digno das maiores manchetes por possuir um poder argumentativo superior a uma criança de cinco anos, mas sou ridicularizado se o puser em prática.
Sou privilegiado, seja pela cor de pele ou pelo género. E acho que esse tipo de discurso desprezador e culpabilizante só destoa mais a divergência. Antes de mais nada, sou um ser humano, e agora com licença que se está a consumir uma injustiça - isso é que me importa.
Pouco me borrifo para a carapaça da vítima. É isso mesmo, uma vítima. E como vítima, deve ser tratada como vítima - não confundir com "vitimização".  E se a vítima for uma etnia, ou uma cor de pele, ou um sotaque ou uma maneira estranha de dizer os L's? Não é errado na mesma? Não merece o mesmo desprezo por parte de quem comete essa atrocidade? 
Com isto não tento -sequer ouso - distanciar as atenções de onde elas necessitam de estar. É a metáfora da casa a arder. Todas as moradias daquela rua são importantes, mas se uma está a arder então é essa que vamos apagar. E sim, eu considero que essa moradia estava a arder.
O que também considero, e isto é que é o meu ponto relevante para o debate, é que aquela é a pior rua para se viver. Todas aquelas casas estão a arder. E umas tem uma labareda que atravessa a infraestrutura na diagonal - as que merecem as marchas e as revoltas - mas outras já perderam uma cozinha. Susceptível de debate é o facto de ser importante uma reavaliação para ver se a rua não merecia ter as casas todas demolidas.
Claro que as famílias iriam para a rua. Mas todas essas famílias teriam de conviver umas com as outras e teriam de se agarrar uns aos outros para sobreviver - mas não sobreviveriam naquelas casas em chamas. Seriam reabitados em novas casas mas a questão é: "Não podemos todos ter uma casa?" Viver em comunidade não é isso?
Sinto que estou a explicar uma utopia para os olhos mais cerrados da realidade. Mas a utopia é isso mesmo: uma percepção mais extrema e elegante da realidade. É um "e se" que tinha de correr muito bem, e mesmo assim, com sorte, dava barraca.
Este sonho de que Luther King falava era uma utopia, era um "e se tudo corresse bem". Hoje, passados 50 anos do discurso tão simbólico, ainda estamos a ter esta conversa. 
A discordância está a ser gerada pela deselegância da provocação. Não é uma provocação histórica, não é uma provocação generalizada. É uma provocação continua mas descentralizada do comum cidadão. Não somos todos racistas, xenófobos, homo ou heterofóbicos assim como não somos todos pretos, brancos, ciganos, homo ou heterossexuais. Tenhamos consciência de que é um ser humano pulsante, pensante e dominante que se atreve a existir à nossa frente. Não devemos olhar com desdém para uma farda ou para um sistema. Não devemos de olhar com desdém para uma cor ou orientação. Não somos distintos, somos um - e isto é a base da minha discórdia. Não luto para que os pretos falem, luto para que não exista um "eles". Para que o meu filho tenha tanta liberdade como qualquer outro filho. 
Acho que não é à toa que o vídeo que mais me emocionou durante toda esta questão foi uma curta gravação de um miúdo a jogar na rua e aquando a ronda da policia, o miúdo achou melhor esconder-se atrás de um veículo lá perto parado para quando a policia passasse não o detectar. Esse medo é que eu nunca poderia aceitar - e sim, acho que tenho razão.

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