Dicotomia de um flagelo:

Existem duas ideias de uma mesma realidade. Uma centrada na visão e outra centrada na experiência. Eu vejo que o bolo está com mau aspeto, logo, para mim é um pass. Já quem o provou comprovou que eu sou excelente a julgar mas péssimo a argumentar os meus julgamentos porque afirmou que o bolo estava divinal - comparar o bolo ao divino parece-me já de si um bold statement, mas aceito.

Não me decidi a verificar a minha crença de que o bolo estava de facto um desastre, preferi saltar alguns passos e proceder ao meu juízo de valor de que um bom bolo tem de ter um bom aspeto. A criadora do bolo ficou destroçada, mas deixou passar.

Mas várias foram as pessoas que me alertaram para o sabor que aquele bolo feio escondia. Um sabor adocicado mas equilibrado, não o acharia enfadonho ou excessivamente açucarado como todos os outros bolos que já tinha provado. Era um bolo diferente pela positiva.

O que é que não era tão positivo? O aspeto.

E a minha visão conta muito, vi até quem me apoiasse com afirmações escandalosas com pouca veracidade. Quem me vendia o bolo, comparava-o ao divino. Mas quem o julgava comigo atribuía-lhe condições diabólicas.

Portanto, estamos perante duas realidades. Uma de um bolo visualmente fraco, e outra de um pedaço de doçaria extremamente bem conseguido. Quem está certo? Na realidade, os dois lados. E um não condena o outro, aliás, apoia-se no argumento do outro.

"É verdade, é um bolo feio. Mas é delicioso." A relatividade da beleza da doçaria convencional é muito limitada e parametrizada. É como se quisessem que não tivéssemos razão, dando-a. Algo que aprendi ser uma ferramenta de altíssima importância aquando do exercício de persuasão: dê argumentos ao inimigo, mas apenas aqueles que pode ceder.

É como se, a cada cinco colheradas de sopa, o bebé tem direito a uma colherada de boion de pêra. Damos uma ideia de que estamos no mesmo barco, apenas em pontas opostas - alguns, a meio da argumentação, podem pedir ao outro para se dirigir à plataforma acima do mastro.

Um flagelo enorme pode possuir ramificações variadas, dando aso a uma discussão que pode unir alguns dos argumentos ou dividi-los mais ainda. Uma arma poderosíssima é exatamente a contra-argumentação baseando-se nos elementos defendidos por quem não defende o mesmo que nós. Até nos sabe bem conseguir os pontos e interligar a razão com a argumentação anteriormente defendida.

Conclusão: decidi comer o bolo... Ninguém me avisou que tinha ananás e agora estou mais inchado que uma grávida de quadrigémios.