Dramaturgia

Capitalizar à volta do desastre é um costume do artista. O artista é como que um acumulador de desastres. Ele pega no desastre e dá um propósito. Fica a parecer um desastre propositado, sendo muitas vezes confundido com uma psicopatia. Ser artista não é ser psicopata, é saber lidar com um desastre. 
A arte do desastre está na interpretação ou reinterpretação do mesmo. É como que uma tradução da calamidade para olhos mais ou menos sensíveis para lhes mostrar uma realidade mais ou menos dura. 
Há também a questão de uma capitalização com algo mau, o que faz o líquido descer devagar em algumas gargantas. É como se não se pudesse pensar fora da caixa com coisas más, só com coisas boas. Uma música sobre amor é bela, uma balada sobre suicídio é repugnante. 
Essa dicotomia entre o que é aceitável e o que é obsceno é ínfima. A redundância a que chegamos em termos de temas abordados é tão grande que o autor, numa das suas obras, tem de abordar a coisa de maneira diferente e ainda tem de ter cuidado para não ser julgado pelo que publica. É uma sensação um tanto ingrata ter a percepção que estamos a ser julgados pelo que juramos proteger - a liberdade artística - sendo que a mesma é-nos exigida pelos mais "puritanos" da arte. 
Não vivemos num período liberal e igualitário porque a própria sociedade não o é na sua génese - é hierarquizada.  E portanto, somos menos que alguém e mais que alguém, é simples de perceber essa ideia. Mas o que torna tudo isto muito mais complicado é que quem está acima deu um pequeno "empurrão divino" à vontade de quem estava debaixo, dando-lhes falsas opiniões de entendimento sobre algo cuja ideia vaga é o mais perto do certo que tem. O artista tem de lidar com essa ideia da mesma maneira que um caixa de supermercado ou que um designer, a ideia de que o cliente tem sempre razão - que é uma ideia errônea. 
Dito isto, concluo com um simples paragrafo onde explico o porquê de achar que o artista não tem a liberdade que devia de ter, sendo que o seu trabalho é "ter a liberdade de". O artista deve ter a liberdade de escrever/compor/pintar sobre o que desejar sem ter de ser conotado com a ideia do obsceno. A obra é uma coisa, o artista é outra.

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